terça-feira, agosto 25, 2009

Tato musical

Quando era menino e morava com os pais em uma propriedade rural em Três de Maio, o pequeno Angelin Loro só deseja ver o mundo a sua frente. Cego desde que saiu da barriga da mãe, teve de desenvolver o tato para conseguir sobreviver em meio ao desconhecido. Essa força de vontade, que teve desde criança, unida à crença de que a deficiência visual não serviria de desculpa para não realizar seus sonhos, mais tarde, provaram ser o principal fator que o tornou um dos únicos pianistas eruditos cegos do Brasil.
Embalado por obras de grande nomes da música clássica e auxiliado por partituras em braile, Angelin se apresenta hoje à noite no Recital Solidário, promovido pela Associação dos Cegos e Deficientes Visuais de Santa Maria (ACDV). O show será no Theatro Treze de Maio e custa um quilo de alimento não-perecível, que será doado para o projeto Catando Cidadania (para catadores de papel).
O primeiro contato de Angelin com a música foi aos 9 anos, quando aprendeu a tocar acordeom. Três anos depois, descobriu o piano e não o abandonou mais. Graduado em Piano, licenciado em Música pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-graduado em Educação Especial pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul, o músico de 61 anos ainda dedicou parte de sua vida ao magistério, tanto que se aposentou como professor de educação musical.
Quando questionado sobre onde já tocou, Angelin tem a resposta na ponta da língua:
- Ah, minha filha, já participei das orquestras sinfônicas de Porto Alegre, de Blumenau, de Brasília, de Câmara do Theatro São Pedro, do Sesi...
Sua experiência musical inclui também regência de coros, técnica vocal, canto, projetos didáticos e participação em congressos e eventos educacionais. Mas, para chegar onde está, Angelin conta que não teve nada de mão-beijada.
- Os obstáculos foram muitos. Desculpe a modéstia, mas nasci para ser músico. Meus pais eram agricultores e cresci em um ambiente sem estímulos e contatos musicais. Mesmo assim, estou aqui - confessa.
Outra dificuldade encontrada por Angelin foi aprender a tocar. O pianista conta que os cegos têm de "ler" a partitura com a mão direita e decorar as notas com a outra. Se erram uma nota, num exercício de perseverança e paciência, devem começar tudo de novo.

Incentivo - Segundo a presidenta da ACDV, Clecimara Vianna, a vinda do músico é um alerta a outros portadores de deficiência visual:
- Angelin vai mostrar que o cego não é incapaz de fazer o que quer, que precisa sair de casa e perceber a nossa associação como ponto de encontro.
Clecimara salienta que a entidade oferece diversas atividades, como dançoterapia, informática, artesanato, atendimento psicológico e fisioterapia. A apresentação de Angelin também marca a abertura do curso de Musicografia em Braile na associação. As aulas serão orientadas pelo músico de Santa Maria Júlio Freitas, que aprendeu o método com o próprio Angelin.
Artigo do Diário de SM em Setembro.12, 2007

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